Cotidiano

Neblina

Written by Zeneide

 

 

 

São Paulo já foi chamada de Terra da Garoa e inspirou o poeta modernista Mário de Andrade a escrever :

Garoa do Meu São Paulo

Garoa do meu São Paulo,
– Timbre triste de martírios –
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro,
Passa e torna a ficar branco.
Meu São Paulo da garoa,
– Londres das neblinas finas –
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre,
Passa e torna a ficar rico.
Garoa do meu São Paulo, –
Costureira de malditos –
Vem um rico, vem um branco,
São sempre brancos e ricos…
Garoa, sai dos meus olhos

Bem clara a conotação de “costureira de malditos”, pela ilusão de ótica que a garoa provoca , só revelando bem de perto a real identificação de pessoas cruelmente discriminadas. Por isso, o poeta conclui: “Garoa, sai dos meus olhos!”

Nesta semana, o que temos visto é a Grande São Paulo  inteiramente dominada pela neblina, que toma conta de quase toda a manhã. Por mais que os meteorologistas expliquem cientificamente esse fenômeno climático e façam previsões acertadas na maioria das vezes, em mim, a neblina provoca encantamento e medo, ao mesmo tempo.

Encantam-me o mistério da névoa, seu poder de dissimulação da realidade e também o prenúncio do dia ensolarado : “Neblina que baixa, sol que racha”– diz o ditado. Entretanto, não dá para ignorar todo o mal e o perigo da redução da visibilidade: dificuldade de discernimento, oportunidade para ações criminosas, atrasos de viagens aéreas, acidentes graves…

Pessoas, de certa forma, podem se deixar envolver pela influência desse tempo nublado. Penso que a indiferença também pode provocar em nós efeito semelhante à da neblina, que chega a nos envolver num véu de obscuridade, como um casulo, impedindo-nos de enxergar algo além de nós mesmos.

E, se isso ocorrer, devemos procurar  nos libertar rapidamente, pois, se realmente nos importarmos com as necessidades do nosso próximo, neblina nenhuma nos impedirá de deixar nossa luz brilhar.

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.