Cotidiano Humor

Bala japonesa

Written by Zeneide

 

Não, não se trata de tiroteio, nem me refiro aos Kamicases, da Segunda Guerra Mundial. Nada tão violento.

Tive, na quinta série, uma aluninha nissei, linda e estudiosa, uma delicadeza só. Um dia, meio tímida, deu-me duas balas quadradinhas, embrulhadas num papel dourado, com algo escrito em japonês. Disse-me que sua avó tinha chegado do Japão e que trouxera vários presentes para a família. Agradeci e coloquei-as no bolso do avental.

Quando fazia a chamada, lembrei-me da avó dela, que tinha vindo a uma reunião, acompanhando a filha. Elegante, estilosa, blusa de seda fina e penteado característico. Muito chique. O que me impressionou foi a reverência que ela fez ao me cumprimentar, demonstração de profundo respeito por uma, então, jovem professora.  Cortesia  própria do povo japonês para a nossa desvalorizada profissão.

Enquanto as crianças faziam atividades escritas, resolvi experimentar uma das balas. Quando a coloquei na boca, já senti algo estranho: era salgada! À medida que a enrolava na língua, um gosto de peixe (ou alga, sei lá!) foi se acentuando e, pior, parecia que seu volume aumentava cada vez mais. Enjoada, fiz sinal para os alunos e saí rapidamente em direção ao toilete, onde cuspi a coisa e lavei bem a boca. Mas o gosto horrível persistiu por muito tempo.

À noite, numa sala do Ensino Médio, havia um aluno terrível, desses que não se contentam apenas em falar o tempo todo, mas que perturbam os colegas também, especialmente na hora da leitura de texto. Como ele não me atendeu quando pedi silêncio, lembrei-me de que tinha outra bala no bolso e ofereci-a gentilmente ao falador “para ele ocupar a boca”. Todo exibido, mostrou-a aos colegas dizendo que era importada e se alguém estava servido. Eu, só olhando. Quando ele começou a fazer careta e a se engasgar, falei  que podia sair da sala, se quisesse. Voltou muito tempo depois, declarando que tinha sido envenenado, mas ainda bem que tinha vomitado tudo… Muito cômico, provocou risadas…

Santo remédio: sempre que se punha a tagarelar, alguém perguntava “Professora, tem uma balinha japonesa aí pra ele?”

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.

7 Comments

  • Zeneide, minha amiga escritora! Um “delícia” a leitura da sua crônica. Bem-humorada, o que nos faz um grande bem, além de inspirar saudade do bom tempo do Torloni. Grata por me proporcionar leitura tão agradável e parabéns pela crônica. Bjs

  • Obrigada! Agora, aposentada, restam as lembranças, não é? Acho que hoje, com tantas restrições, não teria coragem de oferecer a tal bala … Saudade daquele época e dos colegas com quem compartilhamos alegrias e tristezas… Beijo.

  • Zeneide, querida amiga,
    Adorei a crônica, ri muito!
    Como é bom recordar os bons tempos do Torloni!
    Percebi a sua competência, desde aquele dia em que quatro professoras de Português, todas de saia jeans, aguardavam a atribuição de aulas para o ano letivo de 1981. Hehehehe… (Lembra?)
    Admiração que só aumentou, também no sentindo pessoal. Que ser humano verdadeiro! Pessoa de fé, de Deus! Como foi bom conviver e aprender com você!
    Encontro neste blog a constatação do seu talento. Crônicas inteligentes, absorventes, deliciosas, com um toque de humor (aquele humor sutil, à la Machado de Assis).
    Meu Livro de Cabeceira Virtual.
    Quanto orgulho você me causa!
    Beijo.

  • Muito obrigada, querida! Bom mesmo recordar aqueles tempos… Mas, apesar de me lembrar de quando nos conhecemos, jamais iria me recordar das nossas saias jeans! Aliás, lembro-me sempre das suas calças elegantes, especialmente de uma com botões nas laterais…Ou estarei enganada? A memória costuma ser traiçoeira,não é? Para mim também foi um privilégio conviver com você.Nosso grupo de Português era bem bonzinho (que ninguém nos ouça…) Outros tempos, agora, mas não menos gratificantes. Beijo. Deus abençoe você e sua casa.

  • \(╹◡╹)/Minha queridíssima Professora Dna.Zeneide… a emoção de reencontrá-la e ser lembrada pelo meu nome (fui sua aluna há 40 anos!) foi indescritível. Ler sua crônica e ser citada tão carinhosamente é uma alegria que ilumina a alma! A descrição de minha avó fez-me enxergá-la em carne e osso. Incrível!
    Sim!!! Aquela bala japonesa… quadradinha e embrulhada em lindo papel dourado que minha avó trouxe do Japão… era de peixe, salgada e sim, crescia na boca… rssssss!!!!
    Acho que minha avó me dava para “manter minha boca ocupada” também, eu era muito tagarela em casa. Estou rindo até agora de sua crônica tão bem humorada.
    Há poucas semanas, por coincidência, meu filho de oito anos havia perguntado se eu me lembrava das minhas primeiras professoras… ” Sim, Dna.Zeneide! Minha professora da 2a.série… a mais linda e a mais carinhosa educadora que tive em toda vida …” Como não lembrar daquela pessoa que foi guardada na caixinha de preciosidades do meu coração. A senhora foi minha heroína da infância e grande inspiração. Minha profunda gratidão!
    m(_ _)m Um grande beijo carinhoso no coração.

    Agora, mais que nunca… sou sua fã!!!

    • Ah, menina! Não vale fazer uma velhinha chorar! A emoção teve mão dupla: assim que você falou comigo veio-me à memória aquela doce menininha, tão linda e estudiosa. Foi uma enorme alegria encontrá-la e saber que eu também estava nas suas boas lembranças. Comparo o trabalho do professor ao do semeador. No seu caso, a semente caiu em terra ótima, de boa procedência, onde pode germinar e produzir frutos excelentes. Que Deus a abençoe sempre para que você possa transmitir ao seu filho querido a boa influência do seu caráter. E que sejam felizes – esse é o desejo sincero do meu coração também muito grato.
      Beijo.