Cotidiano

Atrapalho?

Written by Zeneide

 

 

“Morreu na contramão atrapalhando o tráfego” – diz o verso da música Construção, de Chico Buarque. Grande ironia: o operário perde a vida, causando dor e transtorno para sua família e, ao mesmo tempo, sua morte traz  problemas para motoristas que, provavelmente, dirigem-se a passeios para aproveitar o sábado.

Casos como esse não são raros. Idosos, principalmente os enfermos, atrapalham viagens, festas, passeios, férias da família. “E com quem ele fica?” – dizem na sua frente, como se ele não entendesse, mesmo ouvindo mal.

Crianças pequenas atrapalham planos de jovens pais que antes costumavam excursionar despreocupados.

Os relacionamentos andam tão desgastados que qualquer coisa pode atrapalhar casamentos aparentemente sólidos, bem como amizades antigas.

No belíssimo conto “Antes do baile verde”, Lygia Fagundes Telles retrata o conflito da jovem que não quer perder por nada o baile carnavalesco, enquanto seu pai, muitíssimo enfermo, piora cada vez mais…

Não nos esqueçamos de que nem sempre a ação de atrapalhar se dá voluntariamente. Podemos atrapalhar sem querer, em muitas  situações:

– dando palpites sem ser chamado;

– colocando a “colher” no meio de alguma discussão;

– repassando comentário maldoso sobre alguém, sabendo ou não da sua veracidade;

– até pelo modo de olhar, com censura, podemos matar o sonho de alguém;

– atrapalhamos bons projetos, quando dele participamos apenas com nosso pessimismo.

“Muito ajuda quem não atrapalha” – diz o provérbio popular. Entretanto, já ouvi : “Quem não ajuda, atrapalha por omissão”…

Quando mães levaram seus filhinhos para Jesus abençoar, os discípulos intervieram, achando que estariam atrapalhando o Mestre. Mas, como em muitas outras situações, Jesus inverteu a lógica deles:“Deixai vir a mim os pequeninos; não os embaraceis, pois deles é o Reino dos Céus.”

Até que ponto tenho ajudado? Será que ando atrapalhando alguém, mesmo com a intenção de auxiliar? É bom refletir!

“Eu só posso estar na vida do outro para ajudar, para acrescentar; caso contrário, sou perfeitamente dispensável” (Fábio de Melo)

 

Foto de Cintia Santana (Foz do Iguaçu – janeiro/2019)

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.