Cotidiano

Ilegível

Professores sofrem para decifrar a letra de certos alunos. Poucos conservam a escrita regular, caprichada, que aprenderam na alfabetização. Daí a trabalheira que desafia a paciência de quem corrige provas e trabalhos.

Tive alguns casos bem complicados e, por mais que incentivasse – “Como alguém vai entender sua redação no vestibular?”- não havia jeito. Um aluno de quinta série me respondeu:

– Não esquenta, não, professora! Vou ser médico!

Atualmente, os trabalhos digitados ocupam mais espaço e até se discute a extinção da letra cursiva. Mas como é bom receber um bilhetinho do próprio punho, não é mesmo? Parece que a proximidade é maior e a afetividade também.

No livro “Mulheres de Cinzas”, Mia Couto desenvolve o tema da colonização portuguesa na África. Um dos personagens se refere aos nativos africanos como “criaturas não legíveis”.

Pensando nessa frase, percebi que, de fato, é difícil ler” alguém.

Nos longos relacionamentos, é possível até adivinhar o que o outro está pensando ou o que vai falar. Casais chegam a dizer frases em uníssono. Mães sabem quando o filho está mentindo e percebem de longe uma sombra de tristeza no olhar dele. Até os animais se aproximam mais dos donos quando estes estão sofrendo…

Entretanto, há os que disfarçam sentimentos, ocultam intenções e agem com hipocrisia, deixando-nos perplexos quando descobrimos seu caráter falho. Não dá mesmo para ler as pessoas e também nem sempre nos deixamos ler. Muito mais agora, em tempos de máscaras nos escondendo…

Mas Deus nos conhece desde que fomos formados no ventre materno, decifra nossos garranchos mal feitos, sabe o que nos vai na alma e do que necessitamos. Para Ele, somos tão legíveis que sabe o que vamos falar antes que a palavra nos chegue aos lábios. Vê claramente nossos sonhos, nossas carências e também detecta a falsidade ou a sinceridade do nosso coração.

Por tudo isso, acho muito válida a oração do salmista:

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos.
E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.” (Salmo 139)

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.