Descobrimento
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
(Mário de Andrade, poeta modernista)
Cada vez que leio esse texto, fico novamente comovida com o descobrimento , com a identificação não apenas do ponto de vista geográfico com uma pessoa tão diferente, “que nem” o eu lírico e “que nem” todos nós, com as mesmas carências e os mesmos sonhos.
Então me pergunto: Temos alguma razão para nos julgar superiores?
Li que em certa regiões da África do Sul, onde se fala zulu, as pessoas se cumprimentam com uma frase que significa “Eu vejo você”. Tudo começa com um olhar genuíno e continua com uma mão amiga. Quantos de nós realmente veem o próximo? Mais fácil nos refugiar em nossa concha de comodismo, onde estamos protegidos, aquecidos, alimentados. Principalmente porque não há aberturas que nos desvendem a fome, o frio, a doença, a miséria, enfim… A chamada zona de conforto.
Diferentemente, Jesus via as pessoas (e ainda vê!), tinha (e ainda tem!) a percepção das suas necessidades, sentia (e ainda sente!) tanta compaixão que as atendia (e ainda atende!) , restaurando, não apenas o físico, mas também curando suas feridas emocionais e oferecendo-lhes vida em abundância.
Que o exemplo do Mestre nos mova nessa direção, que nos faça descobrir que o “pão nosso de cada dia” não é um direito exclusivo nosso. Cabe a nós facilitar o acesso dos outros a esse pão, tanto material quanto espiritual. Isso porque “o amor nunca falha.”
