Recordações

Cenas de outro mundo

Written by Zeneide

Muitas das nossas lembranças de infância parecem pertencer a outra realidade. Difícil contar aos netos a sensação de subir numa árvore altíssima para apanhar araticum! Explico: araticum é parecido com a fruta do conde, pouco menor, que quando maduro fica bem amarelo. Não dá para explicar a doçura do sabor, que fica ainda na boca e no cérebro por muito tempo depois que a gente cospe os caroços…
E pensar que crianças de sete a oito anos subiam naquelas alturas e ficavam um tempão sentadas nos galhos da árvore saboreando aquelas delícias, sem que mãe ou avó gritassem apavoradas com medo de alguma queda! Tínhamos anjos da guarda maravilhosos, só pode!

A escola ficava a uns oito quarteirões e íamos sozinhos, encontrando os colegas pelo caminho. Não havia cantina nem merenda para os alunos. Levávamos lanches de pão com manteiga ou banana mesmo.

Numa esquina perto de casa havia um terreno bem grande onde uma empresa deixava ônibus velhos, abandonados, imprestáveis. Passávamos pela cerca e criávamos brincadeiras incontáveis, de viagens mirabolantes. Havia um ônibus capotado e nós o limpamos bem para montar nossa casinha, onde originalmente era o teto do veículo. Uma beleza!
Nem passava pela nossa cabeça que poderia haver aranhas ou escorpiões naqueles espaços, nem o perigo de ferimentos nas peças enferrujadas…

Cozinhávamos chuchu em panelas de latas, subíamos em goiabeiras e jabuticabeiras, onde taturanas nos espreitavam ao lado de goiabas madurinhas depois da chuva… Já falei que os anjos eram bem capacitados, não é? E como tinham trabalho!

E a fábrica de beneficiar arroz, ao lado da casa da vó Carolina? Amontoavam cascas junto ao muro, onde subíamos para pular do outro lado e deslizar deliciosamente naquela palha de arroz até o chão. Era uma boa brincadeira que só teve fim quando o dono da empresa nos pegou no pulo, literalmente, e foi reclamar com a nossa avó. Aí, os anjos nem ousaram interferir, de tão brava que ela ficou…

Hoje vejo crianças entretidas quase somente com jogos eletrônicos, nos tablets ou celulares. Felizes aquelas que ainda contam com a boa vontade de pais atarefados e de avós nem tanto para criarem artesanatos ou outras brincadeiras envolventes que proporcionam  interação e diversão de verdade!

Então, quando me vêm essas lembranças, a impressão que tenho é a de que descrevi cenas de outro mundo…

 

Foto do Google

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.