Cotidiano

O açúcar

Written by Zeneide

Poema de Ferreira Gullar:

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.

Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.

 

 Aprendemos a agradecer pelo alimento desde criança. A vó Carolina fazia uma oração comprida antes das refeições, de gratidão pelo alimento e de súplica por toda a humanidade. Uma vez meu priminho Marcos falou:
– Vó, vamos fazer a oração do Pai Nosso hoje? Tô com muita fome…
Atualmente, agradeço ainda mais: por ter condições financeiras, por poder ir comprar, carregar, preparar e servir o alimento para a família. Minha amiga Amelinha também agradece por todas as pessoas que contribuíram para que a comida chegasse à mesa.
E é disso tudo que me lembro quando leio o poema acima. Impossível não perceber o contraste entre o açúcar branco, puro, doce e a usina escura, a vida amarga e dura, expressão da desigualdade social da vida brasileira.
Outro motivo para nossa oração… Ainda mais nestes tempos de crise, quando as famílias vivem momentos de intranquilidade,  por onde paira o receio do desemprego.

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.

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