Cotidiano

Estranheza

 

Por: Zeneide Ribeiro de Santana

Levanto os olhos do livro, da história que me levou longe no tempo e no espaço: Europa devastada pela Segunda Guerra. Ainda ecoa nos meus ouvidos o barulho das bombas lançadas sobre Londres, enquanto a personagem procura sobreviventes nos destroços.

A porta se abre à minha frente e, então, me assusto de verdade: vejo uma mulher enorme, roupas esquisitas, numa mistura de cores e de estampas impensáveis, cabelos lisos, escorridos, pele morena, enrugada, curtida pelo sol. Parece uma índia, talvez feiticeira, saída de um set de filmagem antigo. Segura um bastão na mão esquerda e levanta o braço ameaçadoramente na direção do meu marido que, de costas, está na ponta dos pés e parece alisar uma parede, com as mãos erguidas.

Esfrego os olhos e volto a observar, já apavorada. Numa cadeira, um pouco atrás da índia, uma mulher mais jovem, de bermudas, tem os joelhos amarrados por uma corda e parece lutar para se desvencilhar. Como se não bastasse, três pessoas de branco começam a andar pela sala. Ao invés de ajudar a mulher, apertam mais a corda. Outra chega perto da que está armada e mostra-lhe como empunhar melhor o bastão. Enquanto isso, meu marido para de alisar a tal parede e olha para a agressora, aparentemente sem perceber o perigo que estava correndo. Uma cacetada daquelas mãos me deixaria viúva na hora, com certeza!

Nisso, minha visão é obstruída por um senhor que vai entrando aos pulos, numa perna só. Só me faltava um saci da terceira idade! – penso. E não é que o saci quase caiu sobre um padre que esticava as pernas deitado numa cama? Olho para o padre, que se ajeita novamente e descubro que, na verdade, não era um padre, apenas usava roupa toda preta com gola branca…

Nesse momento, a mulher dos joelhos amarrados é libertada e sai bem satisfeita, sorrindo amistosamente. Meu marido agora ouve com atenção algo que a moça alta lhe explica e logo começa a esticar um elástico,  abrindo bem os braços. Imagino se também será amarrado. Mas não! Depois do estica-estica, a moça guarda o elástico e se despede.

Ainda bem! Já estava cansada só de assistir àquela meia hora da sessão de Fisioterapia!

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.