Cotidiano

O último a sair apaga a luz

Written by Zeneide

Enquanto arejava o quarto, retirava copos e garrafinhas vazias, ajeitava os travesseiros, falava sem parar.  Comentava notícias ouvidas no rádio, descrevia o tempo lá fora, contava sobre mensagens e telefonemas recebidos.

Ele, com os olhos semicerrados, ouvia quietinho e, de vez em quando deixava escapar um Ahan, Hum ou outro monossílabo. Não estava interessado naquele blablablá. Esperava pacientemente o remédio fazer efeito e provocar a sonolência necessária para afastá-lo da dor.

Ágil e tagarela, parecia querer preencher o espaço impreenchível, numa tentativa inútil de expulsar a enfermidade com palavras animadoras:

– Pronto! está tudo limpo e arrumado! Anotei a medicação no caderninho. Suas frutas e a água estão aqui. Quer mais alguma coisa?

Num esforço, abre os olhos, dá um sorrisinho maroto e diz:

– Quando sair, você apaga a luz, por favor?

Como entendi aquilo! Quis brincar com minha tagarelice, passando-me o recado de “Me deixe em paz!”. Mas sei também que, sutilmente, era uma forma de me tranquilizar, de me dizer que tudo estava bem, ele só precisava dormir e que eu ficasse sossegada. Não havia mais nada a fazer…

E foi assim, nesse acordo tácito, que respondi:

– Bonito, né, doutor? (Tratamento brincalhão e carinhoso, usado em certas ocasiões, que provocava risos nos filhos). Está me mandando embora?

E saí, bancando a ofendida, enquanto ele sorria e ia fechando os olhos novamente.

Era o prenúncio da despedida definitiva que se aproximava perceptivelmente.

“O último que sair apaga a luz!” – não é assim que dizem?

Depois de quase meio século de convivência, não queria nem esperava ser a última a sair… Mas não preciso apagar nada, pois sei como é bom confiar naquele que disse:“Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida”.

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.