Dizem que há muitos gatilhos emocionais que nos fazem relembrar o passado, como por exemplo um som, um aroma, uma vista, uma sensação. Percebemos isso muito bem no poema de Fernando Pessoa :
TEMPO
Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.
Recordo ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.
Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei;
Fui-o outrora agora.
Todos nós, uma hora ou outra, lembramos o passado. Até os bem velhinhos e mesmo os acometidos pelo Mal de Alzheimer têm as memórias antigas preservadas. Quem convive com idosos se cansa de ouvir as mesmas histórias de infância, contadas repetidamente. É assim mesmo: criticamos hoje o que provavelmente também faremos amanhã… É comum o emprego da expressão “no meu tempo” até por adolescentes…
Interessante que esse tempo evocado por tantos parece ser sempre maravilhoso e feliz. Ah, bons tempos que não voltam mais! Será mesmo? Por isso me encanta o poema acima. Acho genial o paradoxo contido nos versos finais. Há questionamento :”Eu era feliz?” , a dúvida “Não sei” e a conclusão paradoxal de que ele se sentiu feliz agora, no presente, no momento em que lembrou o “outrora” (passado) Portanto, mesmo duvidando de que o passado tivesse sido bom, a lembrança provocada pela velha música, trouxe felicidade no presente… Complicado, não é?
Pensando nos dias que estamos atravessando transparece a impressão de que tudo estava indo muito bem antes da pandemia. Há um sentimento quase generalizado de saudade, de ausência, de perda em tantos sentidos, de impotência e insatisfação, quase sempre.
Como reagir a esses sentimentos? Psicólogos e entendidos devem ter boas receitas científicas para enfrentar esse negativismo, porém a releitura do poema, seguida de reflexão me levaram a ousar sugerir uma visita aos livros de Salomão:
“Não diga: Por que os dias do passado foram melhores que os de hoje? Pois não é sábio fazer tais perguntas”.(Eclesiastes 7:10)
Oro para que possamos relembrar com gratidão as bênçãos antigas e atuais para repetir com convicção as palavras do profeta Jeremias:” Quero trazer à memória o que me dá esperança”.
Que assim Deus nos ajude!