Minha querida prima/irmã/amiga, você partiu… Como assim, mais uma que furou a fila?
Não ficou me devendo o abraço pelo meu aniversário, como falou, pois me senti abraçada na nossa última conversa . Quem poderia imaginar que seria a última? Mesmo limitada pela imobilização, disse que estava treinando mentalmente a mão esquerda para poder tocar piano…
Sim, sua vida toda foi uma trilha sonora. Na infância, nos divertíamos quando você cismava em classificar os sons, tanto da natureza quanto os mais banais da vida cotidiana. Sim, até aqueles mesmo! Era ré maior pra cá, si bemol pra lá… Quantas risadas boas!
Começou a tocar órgão tão cedo; mal alcançava o pedal… Uma vez, você, já adolescente, tocava o prelúdio na igreja, para a entrada do pastor. Sem o livro de música, ia tocando de memória. Como não se lembrou de nenhum hino no momento, começou a tocar bem lentamente: “ o – ti – co ti – co – cá… o ti – co ti – co lá...” Meu pai, sentado lá atrás, na hora identificou a música, riu baixinho e fez sinal de positivo para a sobrinha. Ele amava contar essa história.
Sim, sentia que a música está em tudo, da vida sai um hino. Esposa, mãe, professora, regente, trabalhou muito, a vida toda embalada pelos sons que fazem a vida machucar menos. Como Ray Charles, tinha a música dentro de si, que lhe era necessária como comida ou água. Houve pausas e dissonâncias, dificuldades normais numa família. Ao lado do Gerson por 56 anos, juntos venceram obstáculos e puderam se orgulhar por ver filhos e netos formados, trilhando os próprios caminhos .
Você tinha planos e sonhos, minha amiga; queria formar um grupo musical para se apresentar em hospitais e acender o sol nas pessoas que passam por sofrimentos. Pelo que sei, já havia muitas adesões de amigos músicos que se animaram com essa possibilidade.
Mas, apesar de toda a força, coragem e determinação na luta contra o câncer, não pôde vencer inimigos invisíveis que estão por aí. Não entendemos nem saberemos por quê.
Agradeço a Deus pela sua vida, prima. Sou grata pela sua amizade, desde sempre, e pelo que representou para a família, para a igreja, onde contribuiu para o louvor da glória do Senhor e para Itapetininga, onde sempre viveu, ensinou e alegrou com sua música.
Tinha defeitos? Sim, como eu, você e todos nós. Mesmo assim, se em algum momento, você estiver distraído e, de repente ouvir uns sons musicais repetidos, vai saber que é a Vasti ensinando algum anjinho candidato a se apresentar no coro celestial…
“A música é o luar na noite sombria da vida.”
Até breve, prima querida!