Cotidiano

Frio na alma

Written by Zeneide

Texto transcrito de   finasjoias.wordpress.com/

 

Seis homens ficaram presos em uma caverna por uma avalanche de neve. Teriam de esperar até o amanhecer para poderem receber socorro.

Cada um deles trazia um pouco de lenha e havia uma pequena fogueira ao redor da qual  se aqueciam. Se o fogo apagasse – eles o sabiam – todos morreriam de frio antes que o dia clareasse. Chegou a hora de cada um colocar sua lenha na fogueira. Era a única maneira de poderem sobreviver.

O primeiro homem era um racista. Olhou demoradamente para os outros cinco e descobriu que um deles tinha a pele escura. Então, raciocinou:

– “Aquele negro! Jamais darei minha lenha para aquecer um negro.” E guardou-a, protegendo-a dos olhares dos demais.

O segundo era um rico avarento. Estava ali porque esperava receber os juros de uma dívida. Olhou ao redor e viu, em torno do fogo bruxuleante, um homem da montanha, que trazia sua pobreza no aspecto rude do semblante e nas roupas velhas e remendadas. Ele fez as contas do valor da sua lenha e enquanto mentalmente sonhava com o lucro, pensou:

– “Eu, dar a minha lenha para aquecer um preguiçoso?”

O terceiro homem era o negro. Seus olhos faiscavam de ira e ressentimento. Não havia qualquer sinal de perdão ou mesmo aquela superioridade moral que o sofrimento ensina. Seu pensamento era muito prático:

– “É bem provável que eu precise desta lenha para me defender. Além disso,  jamais daria minha lenha para salvar aqueles que me oprimem”. E guardou-a com cuidado.

O quarto homem era o pobre da montanha. Ele conhecia mais do que os outros os caminhos, os perigos e os segredos da neve. Pensou:

– “Esta nevasca pode durar vários dias. Vou guardar minha lenha.”

O quinto homem parecia alheio a tudo. Era um sonhador. Olhava fixamente para as brasas. Nem lhe passou pela cabeça oferecer a lenha que carregava. Estava preocupado demais com suas próprias visões (ou alucinações?) para pensar em ser útil.

O último homem trazia nos vincos da testa e nas palmas calosas das mãos os sinais de uma vida de trabalho. Seu raciocínio era curto e rápido.

– “Esta lenha é minha. Custou o meu trabalho. Não darei a ninguém nem mesmo o menor dos meus gravetos.”

Com esses pensamentos, os seis homens permaneceram imóveis. A última brasa da fogueira se cobriu de cinzas e finalmente apagou.

Ao alvorecer do dia, quando os homens do Socorro chegaram à caverna encontraram seis cadáveres congelados, cada qual segurando um feixe de lenha. Olhando para aquele triste quadro, o chefe da equipe de Socorro disse:

– O frio que os matou não foi o de fora, mas o frio de dentro.

 

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.