Cotidiano

Boa ação

 

Numa travessa da rua principal de Serra Negra, sempre se vê uma senhora cega, sentada numa cadeira à frente de um teclado, daqueles mais básicos. Baixinha, idosa, costuma usar um chapeuzinho de tecido por onde escapam fios de cabelos embranquecidos. Toca músicas antigas, num ritmo lento. Melancolicamente.

Como o som é fraco, só bem perto as pessoas conseguem ouvir. Algumas passam indiferentes, mais interessadas em namorar as vitrines chamativas das lojas. Mas, outras diminuem os passos e até param, com ar compadecido. Ela continua a tocar, olhando para o nada; apenas abre um leve sorriso quando ouve o ruído das poucas moedas que depositam num pratinho ao lado.

Outro dia, estava estacionando próximo desse local quando, repentinamente, começou a chover. Enquanto endireitava o carro, vi que ela se levantou, fechou o teclado apressadamente, parecendo meio perdida. Quando estava descendo para ajudá-la, vi um adolescente parando perto dela, segurando seu braço. Era um desses meninos de óculos, tipo “nerd”, que fez sinal para os carros pararem, enquanto atravessavam a rua vagarosamente. Deixou-a sob a marquise de uma loja e voltou para buscar o instrumento e a cadeira.

Fiquei ali parada, assistindo a tudo, comovida. Pedi que ele levasse algumas moedas para ela e cumprimentei-o pela boa ação. Ele disse “Imagine!”, mas agradeceu com um sorriso encabulado.

Nestes tempos de tanta  indiferença, tanto individualismo, foi um prazer enorme constatar que ainda existem jovens de boa formação que conseguem se importar com a necessidade do próximo. Tive a certeza de que aquele garoto aprendeu a ser solidário com alguém da família, da escola ou, talvez, da comunidade religiosa de que faz parte.

Esse flagrante do cotidiano fez-me valorizar ainda mais o papel de educador que todos nós, adultos, podemos exercer. Ninguém precisa muito de sermões ou de advertências. Basta dar bom exemplo.

About the author

Zeneide

Meu nome é Zeneide Ribeiro de Santana, professora de Língua Portuguesa e Literatura. Já sou aposentada e aproveito meu tempo lendo bastante e tricotando um pouco.

6 Comments

  • Muito bom!! Nós, jovens e adolescentes, somos muito “desligados” com coisas que acontecem à nossa volta! Mas, há momentos em que não é possível ver algo sem ter alguma atitude. Isso é fruto de uma educação e uma formação de caráter. Coisa que não achamos em qualquer lugar… Esse garoto que ajudou a senhora sem pedir ou esperar é um exemplo. Não quis atenção, ou elogios. Simplesmente ajudar.. Espero que eu e meus filhos sejamos assim… rs

  • Obrigada, Éder! Tenho a certeza de que você já é assim e, pelo seu exemplo, seus filhos também serão educados, atenciosos e solidários, qualidades dos que conhecem Jesus.

  • É uma grande verdade Zeneide, um bom exemplo vale mais mil sermões.
    Um abraço!

  • Seu olhar atento para o cotidiano sempre nos traz preciosas lições de vida… Como é bom ver alguém que vê com os olhos da alma!

  • Muitos veem, Marlene! Só podemos compartilhar essa visão com quem também tem sensibilidade, como você. Beijo.